segunda-feira, 7 de novembro de 2016

O Supermercado Cósmico

Todos os elementos estáveis e alguns instáveis (radioativos) são encontrados na Terra, e a presença dos elementos com número atômico maior que o níquel é atribuída à explosão de supernovas. Segundo o conhecimento atual da bioquímica, é a disponibilidade de alguns elementos como o tungstênio, que fixa o nitrogênio, que permite a vida.
Atribui-se a estabilização seletiva da ribose (não tão seletiva assim) por borato, a sua possível formação via formose, embora o reagente principal, o formaldeído seja relativamente pouco estável. Porém os boratos são escassos na Terra, e se formam na presença de oxigênio, cuja existência é descartada na Terra primitiva, mas evidências de meteoros de Marte são uma evidência da sua existência naquele planeta.1
A própria existência da água no planeta já foi atribuída a cometas, enquanto que Benner sugere que a formamida de nuvens intergaláticas tenha sido o ponto de partida2. A própria Lua teria sido capturada pela Terra, pela falta de compatibilidade entre as distribuições isotópicas.
Em realidade, esta necessidade em recorrer ao supermercado cósmico vem da incompatibilidade entre alguns elementos que “deveriam” estar para que ocorresse a síntese das moléculas necessárias e fornecer uma narrativa do surgimento da vida a partir de moléculas simples, não importando a distância ou a probabilidade destes eventos. E assim vai a ciência.

1http://www.smithsonianmag.com/science-nature/did-life-come-to-earth-from-mars-2378085/?no-ist


2Prebiotic Synthesis of Ribose, Ribonucleosides, and RNA Benner et al.Vol. 45, No. 12’2012’2025–2034’ACCOUNTS OF CHEMICAL RESEARCH’

terça-feira, 1 de novembro de 2016

Problemas na teoria Fe-S

O campo relacionado com a pesquisa sobre origem da vida é multi-disciplinar, envolvendo desde a matemática até a química sintética, e não causa surpresa que um teoria química pré-estabelecida contradiz o pilar central de uma teoria desenvolvida depois. Neste caso, podemos falar de uma teoria “pré-falsificada”, que acaba sendo publicada:
a) instabilidades em fluidos quentes e alcalinos: tem sido proposta que a evolução primordial tenha ocorrido em um bloco de FeS com uma altura de ~10 m (teoria da membrana FeS), com replicação e catálise do RNA, surgindo LUCA (Martin and Russell 2003; Koonin and Martin 2005) e bactérias surgindo posteriormente. O interior do bloco seria como quente e alcalino (Russell et al. 1989; Russell and Hall 1997; Russell 2007; Martin and Russell 2003; Koonin and Martin 2005). Nestas condições as cadeias de RNA se auto-clivam pelo ataque nucleofílico do 2'-OH sobre a ponte fosfato anquimérica, levando à auto-destruição da cadeia, que aumenta com a alcalinidade e temperatura do meio.
b) acoplamnto energético com membranas Fe-S? De acordo com a teoria da membrana FeS, tem sido sugerido que esta membrana servia para acolplamento energético com um potencial para reações endoergônicas (Russell et al. 1989; Russell and Hall 1997; Russell 2007; Martin and Russell 2003; Koonin and Martin 2005). Uma membrana Fe-Se experimental, contudo se comporta mais como uma barreira permeável reativa do que como uma membrana. (Filtness et al. 2003; Rickard and Luther 2007).
adaptado de J Mol Evol (2016) 82:75–80 DOI 10.1007/s00239-015-9727-3

Martin W, Russell MJ (2003) On the origin of cells: a hypothesis for the evolutionary transitions from abiotic geochemistry to chemoautotrophic prokaryotes, and from prokaryotes to nucleated cells. Philos Trans R Soc B 358:59–85
Koonin EV, Martin W (2005) On the origin of genomes and cells within inorganic compartments. Trends Genet 21:647–654
Russell MJ, Hall AJ, Turner D (1989) In vitro growth of iron sulphide chimneys; possible culture chambers for origin-of-life experiments. Terra Nova 1:238–241
Russell MJ, Hall AJ (1997) The emergence of life from iron monosulfide bubbles at a submarine hydrothermal redox and pH front. J Geol Soc London 154:377–402
Russell MJ (2007) The alkaline solution to the emergence of life: energy, entropy and early evolution. Acta Biotheor 55:133–179
Filtness MJ, Butler IB, Rickard D (2003) The origin of life: the properties of iron sulphide membranes. Trans Inst Min Metall Sect B 112:171–172

Rickard D, Luther GW III (2007) Chemistry of iron sulfides. Chem Rev 107:514–562  

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Mais oxigênio, por favor!

A presença de oxigênio na atmosfera é uma anomalia química, por sua alta reatividade. A sua presença na atmosfera é resultado da oxidação da água promovida por organismos vivos.
Desta forma, o seu surgimento na atmosfera seria o momento inicial para os primeiros seres vivos, e os principais marcadores geológicos considerados são as BIFs (banded iron formations), resultado da oxidação de sais de ferro(II) solúveis para ferro(III) insolúveis. Após a oxidação do ferro(II), o oxigênio tomaria conta da atmosfera passando para a atmosfera, atingindo uma pressão cerca de um décimo da atual, definindo o  grande evento de oxigenação (GOE), gerado pela  fotossíntese das cianobactérias. As estimativas é que este evento tenha iniciado há três bilhões de anos atrás até um bilhão de anos atrás.





Um mecanismo alternativo tem sido sugerido para a formação de BIFs, a oxidação de serpentinas (FeO) para magnetita (Fe3O4), gerando H2, considerando a maior temperatura da crosta promovida pela maior atividade radioativa.(1)
Outra teoria considera que o aumento de O2 atmosférico é resultado da passagem do vulcanismo submarino para terrestre. (2)
As hipóteses para o surgimento do oxigênio na atmosfera não apontam para um consenso, e não existem modelos confiáveis.

(1)Keller, C. B. & Schoene, B. Nature 485490493 (2012).
(2)Kump, L, R.; Barley, M. E.; Increased subaerial volcanism and the rise of atmospheric oxygem 2.5 billion years ago. Nature 2007


segunda-feira, 17 de outubro de 2016


Função e estrutura de enzimas


As habilidades químicas das enzimas são superiores à qualquer metodologia sintética conhecida. As reações ocorrem em velocidades altíssimas, à temperatura relativamente baixa, sem o uso de solventes especiais e estereoespecíficas, ou seja, apenas um dos estereoisômeros é formado e sem resíduos. Isto está acima das capacidades de qualquer químico orgânico sintético moderno.
O tamanho relativo das enzimas comparado ao substrato é comparável ao tamanho de um caminhão e o motorista. Aparentemente toda a estrutura está voltada para que o sítio ativo tenha uma geometria correta para a catálise da reação.
A compreensão do efeito catalítico das enzimas foi evoluindo com as evidências experimentais, porém desde o primeiro modelo houve um claro reconhecimento das diferentes capacidades da enzima. O modelo formulado por Paul Ehrlich (nobel de medicina de 1908) é conhecido como chave-fechadura, em que o substrato (S) com a estrutura correta encaixa na enzima (E), formando um complexo enzima substrato (E-S), que promove a reação e a transformação do substrato em produto (P).





A quantidade do complexo E-S é pequena, e praticamente constante até o esgotamento do substrato, porém o avanço na formulação do efeito catalítico reside na estrutura deste complexo. A enzima “torce” e “estica” as ligações químicas do substrato, utilizando as suas próprias interações e reações do tipo ácido-base para chegar em uma estrutura em que as ligações do substrato se rompam e ocorra a transformação química. Ou seja, a principal propriedade da enzima não é ligar o substrato, mas ligar o “estado de transição”, que é o nome dado ao máximo de energia na transformação de substrato em produto. O modelo de “ajuste induzido” proposto por Koshland reflete as alterações estruturais mútuas entre a enzima e o substrato para atingir a estrutura do estado de transição.


A diferença entre o estado de transição de uma reação não-catalisada e reações catalisadas é a mudança no mecanismo de reação, que diminui a energia de ativação em reações catalisadas. Em ambos os casos, as ligações químicas do substrato são quebradas até atingir um máximo de energia, quando novas ligações químicas são formadas, gerando os produtos.
A menor energia de ativação das reações catalisadas usualmente é resultado de uma partição da reação geral em pequenas reações, acompanhadas de rearranjos estruturais em direção à formação de produtos.
O pensamento nas ciências da natureza opera no reconhecimento de padrões e na busca de um fundamento para o padrão observado, e na química este padrão reside na relação entre as propriedades moleculares com as ligações químicas presentes em uma molécula.
Por exemplo, o metanol e o etanol são solúveis em água, enquanto que o hexano e o benzeno não são. A investigação sobre a estrutura molecular mostra que o metanol e etanol apresentam um grupo OH (hidroxila) na molécula, que não está presente no hexano e benzeno. A partir daí, é elaborada uma regra em que moléculas que apresentam um grupo OH são solúveis em água.
Porém, a regra começa a falhar quanto mais carbonos estão ligados ao grupo OH, o que leva a uma compreensão mais geral, em que as cadeias carbônicas mais longas diminuem a solubilidade das moléculas orgânicas, enquanto que a presença de grupos OH aumenta. A relação entre uma propriedade e a estrutura molecular fica mais completa. Esse tipo de raciocínio é chamado de reducionista, procurando explicar o todo pelas partes, em contraposição ao raciocínio holístico, que propõe que o todo apresenta características que não podem ser “lidas” a partir das partes.
O caso da enzima foge dessa compreensão reducionista, pela natureza extremamente transitória do estado de transição, cujo tempo de existência é da ordem de 10-15 segundos e se constitui no máximo de energia na transição de substrato em produtos. Toda a enzima está focada para algo que não existe de forma independente, e cujo tempo de existência é ínfimo.
Além disso, o raciocínio reducionista falha de forma cabal quando aplicado à modelagem do estado de transição, que é o “todo”, enquanto que a enzima e o substrato são “as partes”, porque se a enzima apenas ligasse o substrato, não ocorreria a reação, mas apenas a formação do complexo, que se fosse estável, levaria apenas ao consumo da enzima.
A proposta de uma evolução do tipo darwiniana aplicada às enzimas apresenta uma série de restrições, sendo que a principal é explicar uma série de eventos do tipo tentativa e erro para modelar a ligação de um estado de transição, com tempo de vida curto e estrutura instável.
Como seriam esses eventos? Suponhamos um conjunto de proteínas globulares: apenas aquelas que catalisariam a reação seriam “aptas” e levariam à reprodução de uma estrutura pré-celular? Do ponto de vista químico, um panorama como esse não é factível, e muito menos passível de sofrer qualquer espécie de seleção.
A hexoquinase transfere um grupo fosfato para açúcares de seis carbonos. Por exemplo, transforma a glicose em glicose e ATP em glicose-6-fosfato e ADP, e o seu eventual “surgimento” não significa nada para o ser vivo, porque a glicose-6-fosfato é apenas o primeiro passo de uma série de reações..
O eventual surgimento de uma enzima não significa um avanço para a formação de um ser. Seria necessário o surgimento de toda a cadeia da glicólise para que houvesse uma geração líquida de energia. Assim, todas as dificuldades relacionadas à tentativa e erro são levados a proporções astronômicas e se não houver a descoberta de grandes atalhos nestes esquemas, são barreiras intransponíveis do ponto de vista prático.
Até hoje, não existe nenhum mecanismo proposto para explicar como sequências de aminoácidos ganharam a capacidade catalítica e muito menos como surgiram as cadeias de reações.