segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Um homem, dois Nobel

O pioneiro na determinação da sequência de aminoácidos foi Frederick Sanger, agraciado com dois Prêmios Nobel em 1958 e 1980. Contudo, essa proposta era controversa, porque os vinte aminoácidos proteinogênicos eram conhecidos, mas muitos pesquisadores pensavam que as proteínas eram randômicas, conforme o obituário de Sanger, publicado no The Telegraph: “Thus, when Chibnall tried to get Sanger a grant from the Medical Research Council to work on protein structure, the grant was refused because “everyone knew” that the pattern of amino acids in a protein was random.”i . A primeira proteína escolhida foi a insulina, por ser relativamente pequena e disponível em quantidades significativas.
O método de Sanger consistia em marcar o aminoácido final e quebrar essa ligação peptídica. O processo era lento, mas a sequência de 51 aminoácidos ligados por duas pontes de dissulfeto foi determinada.
Contudo, muitos pesquisadores mantiveram seu ponto de vista com o objetivo de apontar a aleatoriedade da sequência dos aminoácidos. O bioquímico francês e Prêmio Nobel de 1965, Jacques Monod descreveu a descoberta de Sanger da seguinte forma:
The first description of a globular protein’s complete sequence was given by Sangar in 1952. It was both a revelation and a disappointment. This sequence, which one knew to define the structure, hence the elective properties of a functional protein (insulin), proved to be without any regularity, any special feature, any restrictive characteristic. Even so the hope remained that, with the gradual accumulation of other such findings, a few general laws of assembly as well as certain functional correlations would finally come to light. Today our information extends to hundreds of sequences corresponding to various proteins extracted from all sorts of organisms. From the work on these sequences, and after systematically comparing them with the help of modern means of analysis and computing,we are now in a position to deduce the general law: it is that of chance. To be more specific: these structures are “random”in the precise sense that, were we to know the exact order of 199 residues [i.e., amino acids] in a protein containing 200, it would be impossible to formulate any rule, theoretical or empirical, enabling us to predict the nature of the one residue not yet identified in the analysis.
To say that in a polypeptide the amino acid sequence is “random”may perhaps sound like a roundabout admission of ignorance. Quite to the contrary, the statement expresses the nature of the facts. [Chance and Necessity, Vintage Books Edition, 1972, 96] “



segunda-feira, 19 de setembro de 2016

W.O.


A única proposta de síntese abiótica dos açúcares vem da reação da formose (ver post anterior sobre açúcares), em que unidades de formaldeído são adicionadas em meio básico, e cada reação de adição aumenta um carbono na cadeia do açúcar. Mas uma pergunta anterior é necessária. Haveria formaldeído nas condições iniciais?
As considerações termodinâmicas nos respondem essa questão. O equilíbrio entre as formas hidrogenadas de carbono mostra claramente que o formaldeído é a molécula menos estável entre metano, metanol, formaldeído, ácido acético e dióxido de carbono, conforme a tabela seguinte que mostra os valores de entalpia de formação e de combustão. A entalpia é o calor liberado à pressão constante.


DHof (kJ/mol)
DHoc(kJ/mol)
C-H para C-O
Calor liberado por ligação C-H oxidada (kJ/mol)
metano
-74,6
-890,7
4
-222,7
metanol
-238,4
-725,7
3
-241,9
formaldeído
-115,9
-570,8
2
-285,4
Ácido fórmico
-425,1
-253,8
1
-253,8
CO
-110,53
-197,6


CO2
-393,5
0
0
0

Fonte NIST

Usando os valores acima, pode-se facilmente concluir que as reações que geram formaldeído são termodinamicamente desfavorecidas


Um cálculo simples usando os valores de entalpias de formação mostra que a reação acima é fortemente endotérmica em aproximadamente 236 kJ/mol. Considerando que a variação de energia livre deve ser próxima à entalpia, podemos concluir que essa reação não é espontânea, e que a reação inversa, ou seja, a formação de metano e dióxido de carbono a partir de formaldeído, é espontânea.
A tabela acima também demonstra a maior energia de combustão do formaldeído de acordo com o número de ligações C-H que passam a ligações C-O com a combustão, o que evidencia a sua relativa instabilidade frente a uma atmosfera oxidativa.
 A reação de Cannizzaro é a desproporcionação do aldeído, formando o álcool e o carboxilato correspondentes em formados em meio básico. O equilíbrio favorece o álcool e o ácido, o que novamente comprova a menor estabilidade do aldeído.


A conclusão é que não deveria existir formaldeído nas condições que são propostas para o surgimento da vida, o que inviabiliza a rota da formose. É uma derrota da hipótese por ausência de reagente. W.O.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Nucleobases



Atribui-se ao DNA a chave para a informação genética, pela codificação da sequência primária em enzimas. O DNA é um polímero, composto pela repetição de quatro unidades de nucleotídios: adenosina (A), timidina (T), citidina (C) e guanosina (G).
As funções dos nucleotídios vão além da informação. O ATP e GTP atuam na ativação de ligações químicas, formando intermediários reativos, os cofatores NAD, FAD, SAM e coenzima-A também apresentam nucleotídios na estrutura.
A estrutura de cada nucleotídios é composta de uma base nucleica baseada na purina ou na pirimidina, um açúcar e um fosfato. No DNA as bases são a adenina, guanina, citosina e timina, enquanto no RNA a timina é substituída pelo uracil, assim como o açúcar do RNA é a ribose, enquanto que no DNA é a deoxiribose.




A ligação entre o açúcar e a base ocorre entre o carbono-1 do açúcar e o nitrogênio N-9 da purina e o nitrogênio N-1 da pirimidina. A formação dessa ligação é um grande desafio do ponto de vista químico, porque o grupo OH do carbono-1 é pouco reativo, quando comparado ao grupo OH ligado ao C-5 da ribose. Assim, qualquer reação deveria ocorrer muito mais rápido em C-5 do que em C-1.
E a química para os seres vivos não é diferente. A reação envolve uma fosforilação da glicose, que ocorre sobre a hidroxila de C-5, que é a mais reativa, e na sequência ocorre a reação entre a hidroxila de C-1 e um ATP, transferindo um difosfato.




As próximas etapas revelam uma estratégia surpreendente do ponto de vista da química. A base é sintetizada a partir do açúcar. Um químico imaginaria que o açúcar ativado reagiria com uma base e formaria diretamente o nucleosídio (base + açúcar).
Porém, a baixa reatividade da posição de C-1 requer uma sequência de 11 passos até o inosilato, que é o precursor do adenilato e do guanilato.
A primeira etapa é a transferência de um grupo NH2 de uma glutamina, formando um intermediário muito instável, a 5-fosforibosilamina, com uma meia vida de 30 s a pH 7,5.




A sequência sintética é complexa, e por isso a purina é uma colcha de retalhos. Os nove átomos do núcleo de purina vêm de sete moléculas diferentes: duas unidades de aminoácido glutamina fornecem dois nitrogênios, duas unidades de formiato fornecem dois carbonos, um outro carbono vem de um dióxido de carbono e um nitrogênio vem de um aminoácido aspartato.
Para a síntese atual da purina, é necessário um metabolismo de aminoácidos completamente definido, bem como a síntese do formiato e a captura de CO2, isso sem contar um multitude de enzimas necessárias para as transformações.
É muito claro que esse caminho não teria sido o caminho inicial da síntese abiótica da purina.




A síntese dos nucleosídios com pirimidinas utiliza a reação do PRPP com o orotato, sintetizado a partir do aspartato.
Aqui temos um grande desafio que ainda não foi solucionado, embora anéis com purina e pirimidina tenham sido detectados em experimentos que tentavam simular uma atmosfera primitiva, não existe o menor indício sobre a forma que essas moléculas se ligaram à ribose para formar o nucleosídio. As evidências químicas mostram que a construção dessa ligação não ocorre de foma natural, e que os seres vivos usam uma rota extremamente complexa, utilizando materiais em pequenas concentrações em que a síntese espontânea desses materiais não ocorre, por restrições cinéticas e de reatividade.