quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Síntese e degradação abiótica de açúcares

A explicação abiótica para a síntese dos açúcares é um desafio em particular, porque são moléculas pouco estáveis, com diversas reações de retrossíntese. A reação de formose, descoberta por Buttlerov tem sido apontada como o ponto de partida.i
A auto-condensação do formaldeído é lenta, e ainda não está claro qual o gatilho que dispara essa auto-condensação. A constante de equilíbrio para a dimerização do formaldeído para a síntese do glicolaldeído não é conhecida. Um cálculo grosseiro realizado por Weberii baseado somente em dados termodinâmicos, sugere em uma constante de equilíbrio de 40, contudo não leva em conta o mecanismo para a reação orgânica. Não existe qualquer indício sobre a viabilidade da reação, e esse pode ser um ponto de partida para uma investigação. Alguns pesquisadores afirmam que o glicolaldeído estava presentes já no início, citando sua presença no espaço.iii
Quando o glicolaldeído está disponível, a reação apresenta auto-catálise, ou seja, o produto catalisa a reação do reagente.
O formaldeído gera glicolaldeído (1), que reage com o formaldeído através de uma condensação aldólica, formando gliceraldeído (2), que pode isomerizar para di-idroxiacetona e tetroses, como a 2-cetotetrose, que pode dar uma retro-aldol, formando o glicolaldeído, o que dá uma característica de auto-catálise para a reação.






A descoberta que o RNA pode atuar como catalisador em algumas reações, levou a hipótese do “RNA world”, em que o RNA seria a primeira molécula da vida, combinando as funções de auto-replicação e catálise.
Essa ideia é ainda hoje muito citada, porém esbarra em um ponto crítico: a baixa estabilidade da ribose. A reação da formose produz diversas pentoses e hexoses, sem seletividade para a ribose, e além disse é pouco eficiente como rota sintética, operando em pH alcalinos e requer concentrações altas de formaldeído, uma condição realmente difícil de obter, especialmente considerando reações concorrentes, como a reação de Cannizzaro.
Os açúcares são pouco estáveis em soluções ácidas ou básicas, levando a diversas reações de eliminação e polimerização,iv mas mesmo em soluções neutras a ribose mostrou-se pouco estável e a instabilidade aumenta com a temperatura. Por exemplo, a meia vida da ribose a 100o C é de 73 min e 300 dias a 25o C em condições praticamente neutrasv e o pH de 8,2 do oceano atual aumentaria essa velocidade cerca de 50%.
Os experimentos sobre a estabilidade de açúcares levam a sérias dúvidas sobre a importância da glicólise como fonte de energia, dada a instabilidade dos açúcares, uma vez que estes não estariam disponíveis.






Contudo os dados de decomposição de açúcares no mesmo meio não aparecem nos livros sobre abiogênese.
Esta não é a única objeção séria sobre a formação de açúcares a partir do formaldeído. Medidas cinéticas indicam que a desproporcionação via Cannizzaro é mais rápida do que a reação via formose, a reação de Maillard entre açúcares e aminoácidos ocorre de forma irreversível nas mesmas condições, formando heterociclos como o furfural, e aldoses como a ribose e a glicose reagem com baixas concentrações de HCN (reação de Kiliani), resultando em ácidos carboxílicos de massa maior.
A reação de glicólise é a maior fonte de energia para os seres vivos, contudo a indisponibilidade de açúcares seria um maior impedimento para o surgimento desta etapa metabólica. A teoria do “RNA world” apresenta sérias dificuldades pela indisponibilidade de ribose para a formação de ribonucleosídios.

i Encyclopedia of Astrobiology pp 600-605Formose Reaction; Henderson, James (Jim)Cleaves II
iiWeber A Chemical Constraints governing the origin of metabolism: the thermodynamic landscape of carbon group transformations under mild aqueous conditions Orig. Life Evol. Biosph. 32:333-357
iiiHollis, J., Lovas, F., Jewell, P. (2000) Interstelar Glycolaldehyde: the first sugar. Astrophysic. J. 540: L107-L110
iv 1. Kruger, K., Grabowski, P. J., Zaug, A. J., Sands, J., Gottschling, D. E. & Cech, T. R. (1982) Cell 31, 147-157. 2. Guerrier-Takada, C., Gardiner, K., Marsh, T., Pace, N. & Altman, S. (1983) Cell 35, 849-857. 3. Woese, C. R. (1967) The Genetic Code (Harper & Row, New York), pp. 179-195. 4. Crick, F. H. C. (1968) J. Mol. Biol. 38, 367-379. 5. Orgel, L. E. (1968) J. Mol. Biol. 38, 381-393. 6. White, H. B., III (1976) J. Mol. Evol. 7, 101-104. 7. Visser, C. M. & Kellogg, R. M. (1978) J. Mol. Evol. 11, 163-169. 8. Gilbert, W. (1986) Nature (London) 319, 618. 9. Sharp, P. A. (1985) Cell 42, 397-400. 10. Decker, P., Schweer, H. & Pohlmann, R. (1982) J. Chromatogr. 244, 281-291. 11. Shapiro, R. (1988) Origin Life Evol. Biosphere 18, 71-85. 12. Gabel, N. W. & Ponnamperuma, C. (1967) Nature (London) 216, 453-455. 13. Reid, C. & Orgel, L. E. (1967) Nature (London) 216, 455. 14. Fuller, W. D.' Sanchez, R. A. & Orgel, L. E. (1972) J. Mol. Bio. 67, 25-33. 15. Fuller, W. D., Sanchez, R. A. & Orgel, L. E. (1972) J. Mol. Evol. 1, 249-257. 16. Joyce, G. F., Schwartz, A. W., Miller, S. L. & Orgel, L. E. (1987) Proc. Natl. Acad. Sci. USA 84, 4398-4402. 17. Evans, W. L. (1942) Chem. Rev. 31, 537-560. 18. Khym, J. X., Doherty, D. G. & Cohn, W. E. (1954)J. Am. Chem. Soc. 76, 5523-5530. 19. Isbell, H. S., Frush, H. L., Wade, C. W. R. & Hunter, C. E. (1969) Carbohydr. Res. 9, 163-175. 20. Pigman, W. & Anet, E. F. L. J. (1972) in The Carbohydrates: Chemistry and Biochemistry, eds. Pigman, W. & Horton, D. (Academic, New York), 2nd Ed., Vol. 1A, pp. 165-194. 21. El Khadem, H. S., Ennifar, S. & Isbell, H. S. (1987) Carbohydr. Res. 169, 13-21. 22. Borenfreund, E. & Dische, Z. (1957) Biochim. Biophys. Acta 25, 215-216. 23. Mopper, K., Dawson, R., Liebezeit, G. & Ittekkot, V. (1980) J. Mar. Chem. 10, 55-66.

vProc. Natl. Acad. Sci. USA Vol. 92, pp. 8158-8160, August 1995 Chemistry Rates of decomposition of ribose and other sugars: Implications for chemical evolution (RNA world/pre-RNA world/ribose stability) ROSA LARRALDE*, MICHAEL P. ROBERTSONt, AND STANLEY L. MILLER 

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