Função
e estrutura de enzimas
As
habilidades químicas das enzimas são superiores à qualquer
metodologia sintética conhecida. As reações ocorrem em velocidades
altíssimas, à temperatura relativamente baixa, sem o uso de
solventes especiais e estereoespecíficas, ou seja, apenas um dos
estereoisômeros é formado e sem resíduos. Isto está acima das
capacidades de qualquer químico orgânico sintético moderno.
O
tamanho relativo das enzimas comparado ao substrato é comparável ao
tamanho de um caminhão e o motorista. Aparentemente toda a estrutura
está voltada para que o sítio ativo tenha uma geometria correta
para a catálise da reação.
A
compreensão do efeito catalítico das enzimas foi evoluindo com as
evidências experimentais, porém desde o primeiro modelo houve um
claro reconhecimento das diferentes capacidades da enzima. O modelo
formulado por Paul Ehrlich (nobel de medicina de 1908) é conhecido
como chave-fechadura, em que o substrato (S) com a estrutura correta
encaixa na enzima (E), formando um complexo enzima substrato (E-S),
que promove a reação e a transformação do substrato em produto
(P).
A
quantidade do complexo E-S é pequena, e praticamente constante até
o esgotamento do substrato, porém o avanço na formulação do
efeito catalítico reside na estrutura deste complexo. A enzima
“torce” e “estica” as ligações químicas do substrato,
utilizando as suas próprias interações e reações do tipo
ácido-base para chegar em uma estrutura em que as ligações do
substrato se rompam e ocorra a transformação química. Ou seja, a
principal propriedade da enzima não é ligar o substrato, mas ligar
o “estado de transição”, que é o nome dado ao máximo de
energia na transformação de substrato em produto. O modelo de
“ajuste induzido” proposto por Koshland reflete as alterações
estruturais mútuas entre a enzima e o substrato para atingir a
estrutura do estado de transição.
A
diferença entre o estado de transição de uma reação
não-catalisada e reações catalisadas é a mudança no mecanismo de
reação, que diminui a energia de ativação em reações
catalisadas. Em ambos os casos, as ligações químicas do substrato
são quebradas até atingir um máximo de energia, quando novas
ligações químicas são formadas, gerando os produtos.
A
menor energia de ativação das reações catalisadas usualmente é
resultado de uma partição da reação geral em pequenas reações,
acompanhadas de rearranjos estruturais em direção à formação de
produtos.
O
pensamento nas ciências da natureza opera no reconhecimento de
padrões e na busca de um fundamento para o padrão observado, e na
química este padrão reside na relação entre as propriedades
moleculares com as ligações químicas presentes em uma molécula.
Por
exemplo, o metanol e o etanol são solúveis em água, enquanto que o
hexano e o benzeno não são. A investigação sobre a estrutura
molecular mostra que o metanol e etanol apresentam um grupo OH
(hidroxila) na molécula, que não está presente no hexano e
benzeno. A partir daí, é elaborada uma regra em que moléculas que
apresentam um grupo OH são solúveis em água.
Porém,
a regra começa a falhar quanto mais carbonos estão ligados ao grupo
OH, o que leva a uma compreensão mais geral, em que as cadeias
carbônicas mais longas diminuem a solubilidade das moléculas
orgânicas, enquanto que a presença de grupos OH aumenta. A relação
entre uma propriedade e a estrutura molecular fica mais completa.
Esse tipo de raciocínio é chamado de reducionista, procurando
explicar o todo pelas partes, em contraposição ao raciocínio
holístico, que propõe que o todo apresenta características que não
podem ser “lidas” a partir das partes.
O
caso da enzima foge dessa compreensão reducionista, pela natureza
extremamente transitória do estado de transição, cujo tempo de
existência é da ordem de 10-15 segundos e se constitui
no máximo de energia na transição de substrato em produtos. Toda a
enzima está focada para algo que não existe de forma independente,
e cujo tempo de existência é ínfimo.
Além
disso, o raciocínio reducionista falha de forma cabal quando
aplicado à modelagem do estado de transição, que é o “todo”,
enquanto que a enzima e o substrato são “as partes”, porque se a
enzima apenas ligasse o substrato, não ocorreria a reação, mas
apenas a formação do complexo, que se fosse estável, levaria
apenas ao consumo da enzima.
A
proposta de uma evolução do tipo darwiniana aplicada às enzimas
apresenta uma série de restrições, sendo que a principal é
explicar uma série de eventos do tipo tentativa e erro para modelar
a ligação de um estado de transição, com tempo de vida curto e
estrutura instável.
Como
seriam esses eventos? Suponhamos um conjunto de proteínas
globulares: apenas aquelas que catalisariam a reação seriam “aptas”
e levariam à reprodução de uma estrutura pré-celular? Do ponto de
vista químico, um panorama como esse não é factível, e muito
menos passível de sofrer qualquer espécie de seleção.
A
hexoquinase transfere um grupo fosfato para açúcares de seis
carbonos. Por exemplo, transforma a glicose em glicose e ATP em
glicose-6-fosfato e ADP, e o seu eventual “surgimento” não
significa nada para o ser vivo, porque a glicose-6-fosfato é apenas
o primeiro passo de uma série de reações..
O
eventual surgimento de uma enzima não significa um avanço para a
formação de um ser. Seria necessário o surgimento de toda a cadeia
da glicólise para que houvesse uma geração líquida de energia.
Assim, todas as dificuldades relacionadas à tentativa e erro são
levados a proporções astronômicas e se não houver a descoberta de
grandes atalhos nestes esquemas, são barreiras intransponíveis do
ponto de vista prático.
Até
hoje, não existe nenhum mecanismo proposto para explicar como
sequências de aminoácidos ganharam a capacidade catalítica e muito
menos como surgiram as cadeias de reações.