Outro no espelho!
Moléculas
orgânicas que não apresentam elementos de simetria são chamadas
assimétricas, e a sua imagem no espelho é diferente da original. O
caso mais comum ocorre quando um carbono está ligado a quatro
ligantes diferentes. Veja o caso de um carboidrato simples, o
gliceraldeído:
as
duas formas do gliceraldeído
A
imagem do gliceraldeído no espelho é diferente da forma original,
ou em outras palavras, não é sobreponível e cada uma das formas é
um enantiômero do gliceraldeído. A grande maioria das biomoléculas
apresenta essa propriedade: aminoácidos, lipídios, carboidratos,
alcaloides, entre outros.
Dentre
os 20 aminoácidos, 19 são assimétricos e apenas a glicina é
simétrica, e a treonina e a isoleucina apresentam dois carbonos
simétricos, porém apenas uma das formas ocorre nos seres vivos: os
aminoácidos são encontrados na sua grande maioria na forma L, e a
forma D ocorre na parede celular de bactérias.
As
reações químicas realizadas em laboratório, muitas vezes resultam
em compostos assimétricos, porém resultam em misturas com 50% de
cada um dos enantiômeros. Por exemplo, a redução da 2-butanona
forma os álcoois correspondentes em quantidades iguais. Esta mistura
com quantidades iguais entre os enantiômeros é chamada de mistura
racêmica ou racemato.
O
surgimento da homoquiralidade precede em muito o surgimento da vida,
porque é um requisito necessário para a síntese de enzimas com
estrutura definida. Desta forma, é necessário a procura de
mecanismos abióticos para a obtenção e síntese preferencial de
enantiômeros.
Um
artigo do conhecido químico americano Ronald Breslow mostra que
partindo de 500 mg de fenilalanina com apenas 1 % de excesso de um
dos enantiômeros, após duas recristalizações chega a soluções
com alguns miligramas de fenilalanina com excesso de 87 %. i
O enriquecimento de um dos enantiômeros no líquido ou sólido é
atribuído à formação de agregados constituídos em sua maioria
por um dos enantiômeros. Em uma solução racêmica os agregados com
D e com L se formariam em iguais quantidades, mas a abundância
relativa de um dos enantiômeros potencializa a agregação mais
rápida de um deles, resultando na concentração em uma das fases.
Para
que esta descoberta seja aplicável, é necessária uma flutuação
nas proporções dos enantiômeros formados em alguma reação
química que induzisse esta cristalização preferencial, e uma
sequência de fenômenos que permitisse a separação entre o
material cristalizado e a solução original, e que este processo se
repetisse até chegar a uma purificação de um enantiômero.
Contudo,
nenhum destes passos são razoáveis. Não ocorrem flutuações
detectáveis na formação de enantiômeros de forma natural, as
biomoléculas passíveis de recristalização são altamente solúveis
em água, que é o solvente necessário para que se desenvolva a
vida.
Como
se não houvessem problemas suficientes, para modelar um ambiente
para esta separação de enantiômeros, observou-se que os
aminoácidos racemizam com o passar dos anos, ou seja, algumas
moléculas de um aminoácido apenas na forma L passam para a forma D.
Um estudo comprovou que a velocidade que ocorre essa reação varia
conforme a profundidade do sedimento e temperatura.ii
Esta
propriedade tem sido utilizada para a datação de material
biológico,iii
iv
mas acima de tudo, é uma indicação de que a tendência clara da
matéria orgânica é no sentido contrário aos que afirmam que a
homoquiralidade é fruto de uma lenta purificação de material
racêmico.
iPNAS Current Issue> vol. 103 no. 35 > Ronald Breslow, 12979–12980, doi: 10.1073/pnas.0605863103iiPLoS One. 2013; 8(8): e71648. Published online 2013 Aug 12. doi: 10.1371/journal.pone.0071648 PMCID: PMC3741123 Abiotic Racemization Kinetics of Amino Acids in Marine SedimentsAndrew D. Steen,1,2,*¤ Bo Barker Jørgensen,1 and Bente Aa. Lomstein1,2iiiBada, J. L. (1985). "Amino Acid Racemization Dating of Fossil Bones". Annual Review of Earth and Planetary Sciences 13: 241–268.Bibcode:1985AREPS..13..241B. doi:10.1146/annurev.ea.13.050185.001325ivKaufman, D.S.; W.F. Manley (1998). "A new procedure for determining dl amino acid ratios in fossils using reverse phase liquid chromatography". Quaternary Science Reviews 17 (11): 987–1000. doi:10.1016/S0277-3791(97)00086-3
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