segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Hipótese do Projetista

A maior parte do desenvolvimento científico vem da busca de padrões para estabelecer regras de comportamento da natureza e quando o sistema é relativamente simples, definir uma relação matemática que possa levar à previsão de um comportamento específico. Nesta busca, o propósito não é investigado, mas sim o projeto.

Uma demonstração famosa desta diferença entre o propósito e projeto pode ser delineada no diálogo entre o físico Laplace, o imperador francês Napoleão Bonaparte e o matemático Lagrange, citado por Walter Ball em 1888, e que teria ocorrido em 1802. Laplace enviou a Napoleão uma cópia de seu trabalho “Mécanique Celeste” Napoleão foi avisado que o livro não continha menção a Deus, e comentou: "M. Laplace, me disseram que você escreveu este grande livro sobre o sistema do universo e jamais sequer mencionou seu Criador." Laplace, por sua vez, respondeu rispidamente, "Je n'avais pas besoin de cette hypothèse-là" (Eu não precisei fazer tal suposição). Napoleão, referiu esta resposta a Lagrange, que exclamou, "Ah! c'est une belle hypothèse; ça explique beaucoup de choses" (Ah! essa é uma bela suposição; ela explica muitas coisas), e Laplace retrucou: "Cette hypothèse, Sire, explique en effet tout, mais ne permet de prédire rien. En tant que savant, je me dois de vous fournir des travaux permettant des prédictions" ("Esta hipótese, Majestade, realmente explica tudo, mas não permite predizer nada. Como um estudioso, eu devo fornecer a você trabalhos que permitam predições." O objetivo de Laplace era identificar uma relação matemática para a previsão do movimento dos corpos celestes, de extrema utilidade para a navegação. O ponto fundamental era compreender a lei que rege o movimento dos corpos celestiais, que é fixa e válida para todos os corpos celestes, e se constitui na parte do projeto acessível de acordo com o conhecimento da época. Definir se a casa resultou de um projeto pode ser importante ou não. Se quiser apenas morar na casa, sem se preocupar sobre a quantidade do material e se não fizer nenhuma reforma estrutural, podemos afirmar como Laplace, que esta hipótese não é necessária. A casa pode ter pousado naquele local ou ter sido montada a partir dos restos de um furacão, que não faz a menor diferença. A necessidade de conhecer o projeto ocorre quando houver algum problema e for necessário buscar um responsável técnico ou saber o dimensionamento da rede hidráulica ou elétrica.

Encontrar a evidência de um projeto a partir da leitura de um resultado final é próprio de seres capazes de elaborar projetos. Esta ideia estava implícita no argumento do relojoeiro de Paley, clérigo inglês que viveu entre 1743 e 1805. De forma resumida, Paley argumentou em sua obra Teologia Natural (1802) que se caminhasse por um campo e batesse o pé contra uma pedra e me perguntassem como a pedra estava ali, poderia responder que ela estava ali desde sempre e ninguém poderia contestar. Porém, se encontrasse um relógio no chão e fosse ser indagado como o relógio estava naquele lugar, a resposta anterior seria absurda. Deve ter existido, em algum momento, e em algum lugar ou outro, um artífice ou artífices, que construíram o relógio para o propósito final; que compreendeu sua construção e projetou seu uso. Paley afirmava que a mesma indicação de artifício e manifestação de desígnio que existiu no relógio também existe nos seres vivos.

A leitura matemática do mundo físico resultou em equações capazes de modelar e prever órbita de planetas, as forças de atração entre cargas, o comportamento dos elétrons. Em diversas equações aparecem valores constantes que modulam o comportamento das interações entre os entes que participam das interações. Por exemplo, a lei de Coulomb relaciona a força entre cargas com o valor da carga e o inverso do quadrado da distância.

F=(K.q^1⋅q^2)/r^2

Quanto maiores as cargas q1 e q2, maior a força entre elas, em valor absoluto e quando aumenta a distância, resulta em uma rápida diminuição da força entre as cargas. Além destas grandezas, a constante K, chamada de constante de Coulomb, participa da equação. O valor de K não depende das cargas, nem da distância e permanece 8,9875.109 N.m2/C2. Este valor define a magnitude da atuação das cargas e a distância sobre o valor final da força, determinado de forma experimental por Charles Coulomb em 1785. Atualmente esta lei é descrita em termos de constantes ainda mais fundamentais e entre estas constantes estão a velocidade da luz, as massas das partículas subatômicas, a constante gravitacional, a constante de Planck, de um total de 22 constantes fundamentais. Os valores das constantes são independentes entre si e a ausência de uma constante universal única aumenta a complexidade dos sistemas, dificultando uma explicação “simples” para o surgimento das forças físicas que regem o universo. O ajuste fino entre as constantes é um requisito para a existência da matéria. O físicos e escritor Paul Davies aponta a relação estreita entre a força nuclear forte e a força eletromagnética e uma diferença de uma parte em 1016 resultaria na impossibilidade de formação de estrelas. A relação entre a força eletromagnética constante e a força-força gravitacional deve ser igualmente delicadamente balanceada para produzir o tamanho certo da estrela para sustentar um planeta com vida. Uma variação aqui de apenas 1 parte em 1040 e a vida se torna impossível. (Davies comentou que esta façanha é semelhante a um atirador que bate uma moeda no outro lado do universo observável, a 20 bilhões de anos-luz de distância). Uma alteração na razão das forças de expansão e contração do Big-Bang em apenas uma parte em 1055 no tempo de Planck (apenas 1043 segundos após a origem do universo) teria levado a uma expansão rápida demais do universo. sem galáxias se formando ou retardando uma expansão com consequente rápido colapso.

O matemático e filósofo John Lennox prossegue listando exemplos ainda mais surpreendentes de ajuste de precisão no universo. Tais características do design cósmico foram o que levou Sir Fred Hoyle a afirmar que “não há nenhuma força cega na natureza que valha a pena falar”, e Paul Davies conclui, simplesmente, “a impressão de projeto é avassaladora”.

A hipótese do projetista requer um trabalho dobrado: no primeiro momento, é necessário averiguar se as forças naturais são capazes de criar todos os requisitos para o surgimento dos sistemas químicos necessários à vida e mostrar que estes mesmos sistemas são o resultado de um projeto inteligente. Se apenas a primeira parte for realizada, não é possível chegar a um veredito e o melhor que se tem a fazer é continuar o desenvolvimento das pesquisas e esperar que a balança das evidências penda mais para um lado ou outro. A segunda parte tem um lado intuitivo, que é a capacidade de definir o resultado de um projeto, e o ser humano está em uma posição privilegiada, porque é capaz de construir projetos que envolvem a transformação da matéria de forma consciente.

O número de cientistas teístas na história é impressionante, pessoas que de modo algum se renderam a uma alegada preguiça intelectual e que se sentiram motivados frente a uma mente que consideravam superior, mas que poderia ser acessada pelo convite relatado por Jeremias “buscar-me eis, e me achareis, quando me buscardes com todo o vosso coração” e pelas palavras de Paulo na carta aos Romanos “Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas”.

Enquanto a ciência florescia entre cientistas como Galileu, Copérnico, Newton, Dalton, Boyle e Pasteur que reconheciam o ordenamento proporcionado por um Criador Inteligente, nações que buscaram a supremacia beligerante foram arrasadas. O reconhecimento que a verdade proporcionada pelos meios científicos podia ser acessada e que não se contrapunha aos textos bíblicos proporcionou o avanço científico no Renascimento, com um incremento em regiões em que havia uma liberdade interpretativa das Escrituras.

Contudo, não existe um compromisso entre o reconhecimento de um ordenador universal e o seu significado pessoal, e a existência do projeto poderia apenas ser uma informação. Uma vez que o projetista cumpriu sua função, ele pode ser esquecido ou o projetista pode esquecer da sua criação. Neste momento, entra o propósito do projetista: se ele construiu a casa apenas como um serviço prestado, ou se ele fez para habitar nela. Entramos em um terreno em que as ciências da natureza nada podem afirmar e para responder esta questão, seria necessário um conhecimento do projetista que poderia ser pessoal ou através de relatos escritos ou verbais, e entrarmos na metafísica.

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